João Lourenço:
"Estamos preparados e vamos derrotar o gigante da corrupção"
O combate à corrupção, as relações
com Portugal e a Economia. Na sua primeira grande entrevista e em exclusivo, o
Presidente de Angola, João Lourenço, explicou à Euronews a sua visão para o
país que tenta sair de uma grave crise económica. Uma conversa sem tabus com o
chefe de Estado que garantiu uma transição de poder sem sobressaltos depois de
38 anos de governação de José Eduardo dos Santos. Encontrámos o Presidente em
Toulouse, França, na primeira visita de Estado de João Lourenço à Europa.
Michel Santos, Euronews: Porquê França para sua primeira visita de Estado à Europa?
Michel Santos, Euronews: Porquê França para sua primeira visita de Estado à Europa?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Porque França é um país importante para Angola.
Nós entendemos com esta visita procurar reforçar os laços de amizade que são
históricos com este país. Daí a razão de nos encontrarmos por aqui. E
correspondeu às nossas expectativas, fomos muito bem recebidos, ao mais alto
nível, pelo Presidente Emmanuel Macron, com quem almoçámos, um almoço de
trabalho que consideramos ter sido bastante frutífero para ambas as partes,
tanto para Angola como para França. Abordámos as questões fundamentais das
relações bilaterais entre os nossos países, questões políticas, de diplomacia,
obviamente questões que têm a ver, sobretudo, com a cooperação económica.
Tivemos a oportunidade de interagir com... Inicialmente estavam previstos cerca
de 80 empresários franceses mas acabaram por ser, e ficámos surpreendidos, pois
acabaram por ser cerca de 150 empresários, ávidos em saber da nova situação que
Angola vive, do novo ambiente de negócios que estamos a criar no país.
Michel
Santos, Euronews: Justamente, em termos económicos, que medidas tomou e que
medidas tenciona tomar para incentivar o investimento em Angola?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Nós acabámos de aprovar uma nova lei do
investimento privado, que consideramos ser mais atrativa, O investidor privado
estrangeiro já não tem a obrigação de se juntar a nenhum empresário nacional.
Faz se assim o entender. Em termos de vistos para os homens de negócios irem a
Angola, criámos um quadro de uma grande facilitação, e para alguns casos, um
modelo de isenção de vistos, de vistos em passaportes ordinários.
Por outro
lado, havia, e ainda há, para ser sincero – porque não posso considerar que já
vencemos esta batalha, continuamos a lutar – estamos muito empenhados em
afastar um grande impedimento para os negócios em Angola que é o chamado fenómeno
da corrupção. Portanto, isto é uma luta que é difícil, que vai levar algum
tempo, mas estamos preparados para enfrentar esse gigante problema da corrupção
e temos a certeza que vamos vencer.
Michel
Santos, Euronews: Recentemente, a Human Rights Watch escreveu uma carta aberta
a pedir que melhorasse alguns aspetos de violação dos direitos humanos. Vai
trabalhar nisso?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Estamos a trabalhar no sentido de que isso não
aconteça. Nos oito meses da minha governação, não sei se existem casos. (...)
estarei atento para que isso não aconteça.
Michel
Santos, Euronews: A impunidade tem os dias contados? Foi uma das frases na sua
tomada de posse.
João
Lourenço, Presidente de Angola: Com certeza que tem, tem os dias contados. Portanto,
a Justiça está, digamos, a adaptar-se ao novo quadro. E quem combate a
corrupção não são só os políticos, eles fazem a parte deles, a própria
sociedade deve e está a fazê-lo, a sua parte, com denúncias e outro tipo de
reação contra a corrupção e, obviamente, a Justiça é a ponta final desta cadeia
de forças que tem a missão de combater a corrupção.
Michel
Santos, Euronews: A impunidade tem os dias contados, mesmo para o
ex-vice-presidente Manuel Vicente, cujo processo foi transferido para Luanda?
Obviamente no quadro da presunção de inocência...
João
Lourenço, Presidente de Angola: Sim, mesmo para ele, embora – digamos a verdade
– existe a promessa da remissão para Angola. Efetivamente, isso ainda não
aconteceu. Angola continua a aguardar que as autoridades portuguesas enviem o
processo para Angola e, naturalmente, quando o recebermos, daremos o devido
tratamento. Portanto, eu dizia, na primeira grande entrevista, no início do
corrente ano, que não pretendemos lavar a imagem do Engenheiro Manuel Vicente,
se é que ela está suja. Portanto, a acusação de que ele praticou um crime, tem
a presunção da inocência. Mal recebamos o processo de Portugal, as entidades
competentes da Justiça vão prosseguir com o processo.
Michel
Santos, Euronews: No seu discurso de tomada de posse, não só ignorou Portugal
como deixou o país de fora dos “importantes parceiros” a que Angola “dará
primazia”. Como estão as relações entre Luanda e Lisboa?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Bom, em primeiro lugar quero dizer que não
ignorei ninguém. Portanto, há países que eu não citei, não era possível citar
todos. Há países com quem temos relações muito próximas de há muitos anos, foi
por mero acaso. Não houve nenhuma intenção deliberada, posso citar o caso de
Cuba, por exemplo, cujos filhos verteram o seu sangue em Angola, e não me
recordo, nessa minha intervenção, de ter colocado Cuba entre os países com quem
pretendemos ter uma parceria estratégica. Como vão as relações com Portugal?
Vão bem, estamos ansiosos em receber o primeiro-ministro, António Costa, em
Luanda, a nível dos ministros das Relações Exteriores, os dois estão a acertar
datas e isso vai acontecer a todo o momento.
Michel
Santos, Euronews: Mas essa omissão aconteceu no contexto do caso Manuel Vicente
e terá tido, certamente, uma interpretação, de que as relações não estariam
assim muito bem.
João
Lourenço, Presidente de Angola: Sim, as pessoas têm essa liberdade de fazer a
interpretação que entenderem. Mas eu estou a dizer que, em principio, não foi
intencional e veremos daqui para a frente o que vai acontecer. Acho que só vão
acontecer coisas boas.
Michel
Santos, Euronews: Tem algum projeto para reforçar a cooperação entre os países
lusófonos, a CPLP. Ou é a Francofonia que lhe interessa?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Interessam todas. Interessa, em primeiro lugar,
a CPLP, da qual somos membros naturais, genuínos, se me permite a expressão. E
começa a interessar-nos também a Francofonia que, por enquanto, é apenas uma
mera intenção. Falámos no Palácio do Eliseu sobre esta possibilidade – quer eu,
quer o Presidente Emmanuel Macron. Diria que as duas são importantes, uma mais
importante do que outra, neste caso a CPLP. Mas no que diz respeito à
francofonia é preciso que se entenda que, a exemplo do que se passa com
Moçambique, que está ali encravado em países anglófonos, tem o Malawi, a
Tanzânia, a própria África do Sul, e acabou por aderir à própria Commonwealth,
também Angola está cercada, não por países lusófonos, mas por países
francófonos e anglófonos. Portanto, não se admirem que estejamos a pensar em
pedir agora a adesão à Francofonia e daqui a uns dias estejamos também a pedir
adesão à Commonwealth.
Michel
Santos, Euronews: E porque não Portugal ser a porta de entrada na União
Europeia e ser França?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Bom, não sei quem disse que será França. O
simples facto de eu estar a fazer uma visita a França, não quer dizer que será
França a porta de entrada.
Michel
Santos, Euronews: Foi falado na comunicação social que gostaria que França
fosse a porta de entrada na União Europeia.
João
Lourenço, Presidente de Angola: Por mim? Não, de certeza. falei no interesse em
estabelecer uma parceria estratégica com a França, mas a parceria estratégica,
ninguém tem exclusividade disso, não se estabelece apenas com um país. Temos a
liberdade de estabelecer com tantos países quantos nós quisermos. Portanto eu
não disse em momento nenhum, nem em público, nem em privado, que pretendia que
fosse a França a porta de entrada para a União Europeia.
Michel
Santos, Euronews: Muitos angolanos anseiam por reformas, existem graves
problemas especialmente nos setores da saúde, a pobreza, entre 20 a 30 por
cento dos angolanos vive na pobreza extrema. Quando é que os angolanos vão
começar a sentir mudanças?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Ninguém está em condições de
estabelecer uma data. Isso já está a acontecer, no fundo. Pouco a pouco vem
acontecendo. Nós pretendemos diversificar a nossa economia, precisamente, para
que o país tenha mais recursos para investir, sobretudo na área social, na
educação, na saúde e noutras áreas, na habitação e que se consiga uma maior
oferta de emprego e, muito em particular, para os jovens.
Michel
Santos, Euronews: A agricultura é uma das suas grandes apostas. Porquê?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Em África, não apostar na agricultura é um erro
crasso. África tem condições ótimas para o desenvolvimento da agricultura. A
agricultura é um ramo da economia que dá bastante emprego. Portanto, temos a
necessidade da agricultura para matar a fome, por um lado, reduzir os índices
de miséria, que infelizmente ainda existem. Temos que ser francos. E também
para que seja uma fonte de produtos de exportação como forma de diversificar.
Portanto, não se produzem divisas apenas com a venda de petróleo, é também com
a venda de outros produtos, incluindo, produtos do campo. Os países mais desenvolvidos
do mundo investem muito em agricultura, nós por maioria de razão, deveríamos
investir mais na agricultura, mais do que eles.
Michel
Santos, Euronews: O senhor é muito popular em Angola mas existe também muito
ceticismo. O senhor Presidente surpreendeu em mexer em certos interesses
instalados. Por exemplo, afastou de setores-chave membros da família do
anterior Presidente, José Eduardo dos Santos. É apenas uma mudança de cadeiras
ou vamos ter reformas profundas e uma mudança de atitude?
João Lourenço,
Presidente de Angola: Não é
uma mera dança de cadeiras, nós mexemos nos quadros sempre na esperança de
alcançar melhores resultados. Eu não mexi nos filhos de um ex-Presidente, eu
mexi em cidadãos angolanos. São cidadãos angolanos, que estão sujeitos, tanto
como os outros, às mesmas regras. Nesses oito meses não foram exoneradas apenas
duas pessoas. Foram exoneradas um conjunto de pessoas e seria injusto nós nos
preocuparmos apenas com duas pessoas. Portanto, essas duas não estão bem
perante a lei e perante outro tipo de valores, acima dos outros cidadãos, que
também tiveram a mesma sorte, que também foram exonerados. Na Sonangol, nós
acabamos por assinar alguns contratos com a Total, em Paris – apenas para citar
este exemplo, os contratos que foram assinados com a Total, mas não só – e
dizer que a indústria petrolífera em Angola, de novembro para cá, o clima
existente nessa indústria, melhorou bastante e fez com que a Total e outras
petrolíferas se disponibilizassem a fazer grandes investimentos em Angola,
coisa que não acontecia no passado, no passado recente. Portanto, eu creio que
vamos dar tempo ao tempo e veremos que as mudanças foram feitas no momento
devido e não estou arrependido, porque tenho a certeza que as coisas vão
melhorar.
Michel
Santos, Euronews: O jornalista e ativista Rafael Marques afirma que é mais do
mesmo e que existem indícios de práticas menos corretas em seu redor, por parte
de pessoas ligadas ao seu governo.
João
Lourenço, Presidente de Angola: Sim, mas quais indícios?
Michel Santos,
Euronews: Tem a ver com a utilização do Fundo Soberano para a aquisição de
aviões [para uma empresa privada]
João
Lourenço, Presidente de Angola: Ao contrário de nós mexermos nos recursos do
Fundo Soberano, ao contrário disso, nós estamos à caça desses recursos. Estamos
num processo de procurar reaver esses mesmos recursos. Como sabe, foram
colocados à disposição do Fundo Soberano cinco mil milhões de dólares - nesta
altura deveria existir mais do que isso – porque aquilo é um fundo de
investimento e quando se investe, o objetivo é multiplicar os recursos. O que
sabemos é que temos menos do que esse valor inicial e mesmo assim temos uma
ideia de onde é que esses recursos estão: nas Maurícias, em Inglaterra, noutros
cantos do planeta e estamos neste momento num processo de reaver esses mesmos
recursos. O normal seria, no ato de transferência de pastas, de um conselho de
administração para o outro, o anterior conselho de administração abrir o jogo
de forma transparente e dizer onde esses recursos estão. Isso não aconteceu e
se aconteceu não foi convincente. Portanto, isto para dizer que não tirámos
recursos, do Fundo para, absolutamente, nada. E essa companhia ou consórcio,
entre a companhia de bandeira Taag e algumas empresas privadas não vai sair,
não vai acontecer. Eu desafio os passageiros angolanos, que me digam: “olhe, o
senhor disse à Euronews que não existia consórcio nenhum mas eu hoje viajei num
dos aviões de que o senhor fulano tal falou." Portanto esse é o desafio
que eu faço. Não faço ao autor da acusação, mas faço a todos os angolanos,
potenciais passageiros, dessa companhia fictícia.
Michel
Santos, Euronews: Em França, assinou acordos no âmbito de Defesa. Podemos saber
alguns detalhes sobre esses acordos?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Bom, os acordos, regra geral, são acordos-tipo,
acordos que dão várias possibilidades. Depois disso, é preciso ver projetos em
concreto, um a um, que devem estar previstos nos acordos. Portanto, não existem
ainda projetos em concreto mas existe a possibilidade de prepararmos a formação
dos nossos oficiais, em qualquer um dos ramos – Exército, Força Aérea e a
Marinha – existe a possibilidade de prepararmos em termos de vigilância
marítima, sobretudo no Golfo da Guiné. Como sabe, Angola é um país que está
localizado ali no Golfo da Guiné, como sabe o Golfo da Guiné é uma importante
rota internacional marítima e é do interesse de todos os paíse, assegurar o
Golfo da Guiné e evitar que algum dia possa a acontecer o que se passa nas
costas da Somália. Não está vedada a possibilidade também do fornecimento de
equipamento militar. Portanto, se Angola estiver interessada em adquirir meios
militares à França, a França é produtora de armamento, de aviões militares e
navios de guerra e outros. Se houver esse interesse, o acordo prevê essa
possibilidade.
Michel
Santos, Euronews: Foi debatido o cenário da República Democrática do Congo
(RDC). Esses acordos de defesa estarão, de certa foram, relacionados, também?
Uma vez que existe uma grande fronteira entre os dois países?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Sim, abordámos a situação na RDC. Sabe que a RDC
tem mais de 2500 quilómetros com Angola. Só por esta razão é do interesse de
Angola que haja estabilidade no país vizinho e Angola vai – e já tem feito ao
longo desses anos, obviamente, não começámos agora – e continuaremos a fazer
tudo no sentido de ajudar as autoridades congolesas, o povo congolês, a viver
em harmonia, aliás, um ambiente único que pode proporcionar o desenvolvimento
daquele país que não está, por razões de diversa ordem, digamos, a capitalizar
ao máximo, as potencialidades que tem. Sabem que houve um acordo entre o
executivo congolês e a oposição. Como sabe, esse acordo foi abençoado, digamos
assim, pela igreja, foi mediado pela igreja católica, foi assinado livremente,
ninguém forçou ninguém a fazer esse acordo e esse acordo obriga, sobretudo o
executivo, a organizar eleições livres na RDC. Há uma data que parece
consensual, que é o dia 23 de dezembro do corrente ano e a não apresentação
como candidato do atual Presidente da República. Tudo quanto queremos é que
esse acordo seja cumprido, porque entendemos que o não cumprimento do mesmo
pode levar a convulsões políticas e sociais no território da RDC que não serão
agradáveis para os congoleses e os próprios vizinhos. Portanto, esta
preocupação que Angola tem, não é só de Angola. De uma forma geral, todos os
outros vizinhos, somos nove, ao todo, que fazemos fronteira com a RDC,
acompanhamos com atenção o desenvolvimento da situação.
Michel
Santos, Euronews: Caso o acordo de São Silvestre falhe, o que tenciona fazer?
João
Lourenço, Presidente de Angola: O que tencionamos fazer, somos nove países à
volta, não seria só Angola a sofrer. É isso que queremos evitar, portanto é
sempre melhor prevenir do que remediar. E estamos a trabalhar nesse sentido,
estamos a conversar com alguma frequência, com alguma regularidade com o
presidente Joseph Kabila. Estamos disponíveis a continuar a aconselhá-lo, não
passa disso, são só conselhos. E ele é livre de aceitar ou não aceitar os
nossos conselhos.
Michel
Santos, Euronews: Mas caso o acordo falhe e o país mergulhe numa grande
instabilidade, Angola e os parceiros têm todos os cenários em aberto, todas as
opções em aberto, digamos assim?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Eu sei onde quer chegar mas não lhe vou dar o
prazer [risos] de falar deles, sequer. Especula-se muito. Se nós dissermos que
queremos estabilidade, então tudo o que viermos a fazer será no interesse da
estabilidade, para todos.
Michel
Santos, Euronews: Qual é a sua visão para África, oportunidades e desafios?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Eu ainda estou recordado do tempo em que, quando
nós falávamos da China, e de uma forma geral, de uma boa parte dos países
asiáticos - com exceção do Japão - a figura que nos vinha à cabeça era a figura
de um homem num arrozal com uma charrua puxada a búfalos, a trabalhar.
Portanto, o trabalho dignifica o homem... mas naquela altura as condições desse
trabalho eram essas que eu acabo de refletir aqui. Hoje, o que é a China? O que
é a Ásia, de uma forma geral? Eles conseguiram sair, em poucas décadas, da
condição de não terem um trator pequenito - o trator era o búfalo - e hoje são,
digamos, o trator do mundo. São o trator que puxa a economia do mundo. Quer
gostemos deles ou não. Há quem não goste muito da China, mas não é uma questão
de gostar ou deixar de gostar, são factos. Basta ver, agora, o braço-de-ferro
entre os Estados Unidos e a China, o desfecho que teve, tão rápido, tão
cirúrgico, quase que não demos por ela, de um dia para o outro, o problema
ficou resolvido. Estamos a falar só do litígio comercial que foi levantado.
Portanto, se a China não fosse a grande China que é hoje, com certeza que o
desfecho não teria sido esse. Isso para dizer que o “afropessimismo” não tem
razão de existir. Por muito em baixo que nós estejamos, temos sempre o direito
e a obrigação de sonhar alto, de pensar que, dependendo sobretudo do nosso
trabalho e não só – mas também da cooperação internacional, daí a razão de a
gente estar aqui e algum dia estarmos em Lisboa – o nosso continente vai
florescer. Vejam o exemplo do Ruanda. O genocídio no Ruanda não tem muitos
anos. Nós sabemos, depois de passado o genocídio, o pessimismo que existia à
volta do Ruanda, poucos acreditavam que aquele país tivesse força de se
levantar. Hoje é um dos países mais organizados do continente, e isso não
aconteceu por milagre nenhum. Aconteceu pela força do trabalho dos filhos
daquele país.
Michel
Santos, Euronews: Acredita que em breve, alguns dos problemas crónicos podem
ser resolvidos em África? Falo nomeadamente, da corrupção, violação dos
direitos humanos, conflitos internos...
João
Lourenço, Presidente de Angola: Sim, eu acredito. Por exemplo, se formos a ver a
região da SADEC, é uma região que ao longo de muitos anos tem conseguido uma
estabilidade que é quase uniforme. Portanto, se nessa região consegue-se isso,
creio que isso se pode expandir para todo o continente.
Michel
Santos, Euronews: Falando de direitos humanos e liberdade de expressão, o jornalista
e ativisa Rafael Marques foi novamente agraciado com um prémio. Mas ele está
novamente em tribunal.
João
Lourenço, Presidente de Angola: O único comentário que eu faço é que quem
apresentou a queixa foi um cidadão que se sentiu lesado, na sua honra, e como
em qualquer estado democrático e de direito, e isso acontece em qualquer um
deles, entendeu que a melhor forma de se defender foi recorrer à justiça. A
justiça por mãos próprias é de se condenar, ninguém deve fazer justiça por mãos
próprias, os tribunais existem, justamente, para isso. De resto, não tenho mais
comentários. Resta-me desejar-lhe boa sorte.
Michel
Santos, Euronews: Acha importante existirem pessoas que tentem e que lutem
contra a corrupção, ou pelo menos para revelar situações menos próprias? No
quadro também da sua intenção de melhorar e combater a impunidade?
João
Lourenço, Presidente de Angola: Quem combate a corrupção deve continuar a
fazê-lo mas o cidadão que combate a corrupção, não está livre, também de poder
vir a ser processado, se houver razões para tal. Obviamente, não pode ser
injustiçado. Se houver razões para tal, se alguém se sentir lesado e procurar
se defender, tem a liberdade de procurar a justiça, uma vez que constituiu
advogados de defesa. Não estou a ver outro caminho.
Michel
Santos, Euronews: Nestes oito meses de presidência, qual foi o seu maior
obstáculo?
João
Lourenço, Presidente de Angola: O meu maior obstáculo foi a falta de tempo. O
dia devia ter 48 horas. Lamentavelmente, não é possível. Só tem 24, o que é
insuficiente e, pronto, oito meses é muito pouco tempo, é uma fase inicial, de
arranque, e que, mesmo assim, modéstia à parte, em muito pouco tempo, creio ter
feito bastante.
Fonte: Michel Santos, Euronews:
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