Internacional / Entrevista
FUTURO DA EUROPA É PREOCUPANTE
BREXIT É UMA AMEAÇA À GLOBALIZAÇÃODIZ NOBEL DA ECONOMIA
Fonte: O
Globo
O Professor da Universidade de Harvard e vencedor do Prémio Nobel de Economia em 2007 – ao lado de Leonid Hurwicz e Roger Myerson –,
Eric Maskin vê no Brexit uma ameaça à globalização. Apesar das desigualdades
criadas pelo fenómeno, ele lembra que a globalização também ajudou a levar prosperidade aos países em desenvolvimento. Maskin defende políticas de redução
de desigualdade para neutralizar alguns desses efeitos, como a educação de
trabalhadores menos capacitados.
Na sua avaliação, o mundo ainda vive os efeitos da profunda
recessão que se seguiu à crise financeira internacional, que levou à estagnação
dos salários da classe média. Assim, muitos acabam confundindo as razões pelas
dificuldades que atravessam.
— Muitos que estão sofrendo com essa recessão confundem suas
críticas. Eles acham que é por causa da globalização, da imigração, mas é na
verdade a consequência de uma recessão muito profunda. De certa forma, Donald
Trump é uma fraude porque ele dá a explicação errada para o sofrimento das
pessoas — apontou.
O Nobel elogiou o programa Bolsa Família do governo
brasileiro, exactamente pela exigência de manter as crianças na escola, e
defendeu os investimentos em educação mesmo em plena crise fiscal porque “a
melhor maneira de dar às pessoas a oportunidade de ter sucesso por elas
mesmas”.
O senhor foi um dos economistas laureados com o Nobel que se
posicionou publicamente contra o Brexit. Diante do resultado, quais os maiores
riscos?
Na economia, o maior risco é um retorno para as elevadas
tarifas e para as restrições no comércio e no mercado de trabalho, o que é ruim
para todos. Mas também há os riscos políticos. Uma razão para a Europa estar em
paz há quase 70 anos é a cooperação económica. No momento em que o Reino Unido
sai na União Europeia, outros países podem decidir sair também e pode se
imaginar até uma desintegração da União Europeia. Ninguém sabe. Certamente é um
passo na direcção errado. Eu me preocupo com o futuro da paz na Europa se isso
ocorrer. Historicamente, a Europa tem sido o continente mais violento no mundo.
A ideia de um período de 70 anos sem guerra é uma novidade e está ligada ao
fato de existir tanta cooperação agora. Se essa cooperação se deteriorar,
ninguém sabe o que vai ocorrer.
É uma ameaça à globalização?
É uma ameaça à globalização e é uma grande pena. Apesar das
reclamações sobre a globalização, ela tem sido um instrumento poderoso para
levar prosperidade aos países em desenvolvimento. O Brasil, por exemplo, se
beneficiou enormemente da globalização, assim como a China. É verdade que há
elevada desigualdade nesses países. Mas é possível lidar com a desigualdade sem
eliminar a globalização. Você deve ter programas contra desigualdade ao lado da
globalização para neutralizar a desigualdade que ela pode criar. O Brexit
certamente coloca a globalização em risco.
Como os trabalhadores são afectados?
A globalização tende a criar mais desigualdades entre os
trabalhadores dos países em desenvolvimento. Os trabalhadores mais capacitados
são os que conseguem as novas vagas criadas pela globalização, e aqueles sem
habilidades ficam para trás. Então o intervalo entre eles cresce. Isso é
verdade. Mas a maneira de atacar o problema não é atacar a globalização, mas
dar aos trabalhadores menos capacitados mais treinamento e educação para que
possam competir no mercado de trabalho global também. O Brasil agiu nessa
direção. O Brasil tem um programa de transferência condicional de renda de
muito sucesso em que famílias pobres recebem subsídio se concordarem em enviar
seus filhos para a escola. O sucesso ocorre não apenas porque ganham maior
renda, mas porque as crianças são educadas e podem ganhar mais por elas mesmas.
O programa é muito importante para enfrentar a desigualdade.
Mas o Brasil enfrenta hoje um grande problema fiscal. Como
isso pode afectar?
Entendo que quando há um problema fiscal é preciso equilibrar
o orçamento de alguma forma, mas acho que é um grande erro reduzir gastos em
educação. Educação é um importante investimento para o futuro: há outras coisas
com prioridade mais baixa. Educação deve ser a prioridade porque é importante
para lutar contra a desigualdade, mas também porque o população é o activo mais
importante de um país. E a educação é a melhor maneira de dar às pessoas a
oportunidade de ter sucesso por elas mesmas.
Muitos ligam o fenómeno do Brexit e a popularidade de Donald
Trump à desigualdade. Como vê isso?
É verdade. Mas eu acho que o problema não é tanto a
desigualdade, mas o fato de que os salários para a classe média estão
estagnados há muito tempo. E uma grande razão para isso é a crise financeira de
2008/2009 e a profunda recessão que se seguiu a ela. O grande problema é que
tivemos uma profunda recessão e ainda não nos recuperamos dela. E muitos que
estão sofrendo com essa recessão confundem suas críticas. Eles acham que é por
causa da globalização, da imigração, mas é na verdade a consequência de uma
recessão muito profunda. De certa forma, Donald Trump é uma fraude porque ele
dá a explicação errada para o sofrimento das pessoas. É inegável que as pessoas
estão sofrendo, mas a razão não é a que ele dá. Não é por causa da imigração.
Não é por causa de acordos de comércio ruins.
No início muitos consideraram Trump como uma piada...
Trump não é uma piada, ele é uma ameaça muito mais séria que
muitos de nós imaginávamos. Mas apesar disso as pessoas para as quais ele está
se voltando são uma minoria. Felizmente, a maioria dos americanos ainda entende
que ele será muito ruim para o país e para o mundo. Acho que há uma grande
probabilidade de ele perder.
Antes da elevação dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o
banco central americano), o senhor estava muito cauteloso sobre esse movimento.
Como vê a economia americana hoje?
Há muita incerteza, não apenas com o que está acontecendo nos
Estados Unidos, mas também na Europa e na China. Se eu estivesse no Fed, seria
muito cauteloso para elevar juros nesse momento, não vejo nenhuma razão para
correr com isso.
Mas o que acha que a presidente Janet Yellen vai fazer?
Você deveria perguntar a ela. Ela não me contou e não tenho
como adivinhar. Mas ela é uma economista muito inteligente então acho que vai
levar em consideração esses aspectos que conversamos.
Cara Lavada – Coluna Social de Benguela
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